sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

SAUDADES... (49)

Em 1959 não havia uma mísera câmera no campo do Juventus, na Moóca, para registrar o considerado mais belo gol de Pelé, com direito a 4 chapéus, o último sobre o goleiro.  Mas - estádio lotado - foram tantas as testemunhas oculares, que pelos relatos foi possível reproduzir o lance em uma animação, que está no DVD Pelé Eterno.  Com 9 anos quando o rei encerrou carreira no Brasil, quase nada conhecia de sua proezas, então um dia comprei esse DVD, pirata mesmo, em uma banca no centro. Eu, que gosto de bola e procuro detalhes, fiquei de queixo caído. Dizer que o texto é de Armando Nogueira, com narração do ator Fúlvio Stefanini, talvez não comova muita gente, mas a pesquisa, o garimpo de imagens, e a criatividade da produção, são de pedir bis!  Quantos golaços! A patada do homem era qualquer coisa! É um vídeo para calar quem conteste o porte da realeza. Maradona e Messi, maravilhosos, que me desculpem, mas estão na prateleira de baixo. E o vídeo tem saborosíssimas passagens com a família (que simpatia a dona Celeste!) e companheiros. Enfim, nesse dia triste, de luto em Santos, no Brasil e no mundo, esse texto é só pra dizer: assista o Pelé Eterno.  Com uma taça de vinho, brindando o rei, é covardia.  Só não entendi, e congelei o DVD player pra registrar, quando apareceu a certidão de nascimento do Edson, e lá consta "nascido aos vinte um (21) de Outubro".  Mas em todo canto - no Google, no caprichado caderno do Estadão de hoje - consta que ele nasceu em 23 de Outubro...   Isso importa?  Bem, em se tratando de um rei...

Pelé Eterno congelado.  21 ou 23 de Outubro?



 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

BOAS FESTAS! (2)

Adoro fotos antigas de São Paulo.  Arquivei bem umas 100 ao longo do ano, obtidas nos grupos. Pra postagem comemorativa escolhi essa do Mappin, Natal de 1983.  Havia poucos shoppings então, o Centro da cidade ainda era frequentável, tinha boas lojas, e dentre elas pontificava o Mappin. Quem tem mais de 40 anos tem história pra contar desse formidável magazine, que parecia eterno. E é, em nossa memória. Ficava no Centro Novo (faliu em 1999). E tem o Centro Velho (teve uma filial na rua São Bento). Eu acredito na recuperação do Centro... Opa, tô fugindo do assunto!  Para quem vai viajar, ou para quem fica na metrópole, e mesmo pra quem não mora aqui (tenho primos que não conhecem Sampa!), desejo dias de descanso, de serenidade, pra encarar o basquete do ano novo, que já se prenuncia mais leve.  Um pouquinho mais leve.  Se assim for, já será ótimo!  BOAS FESTAS, pessoas queridas! Muita saúde e um FELIZ 2023!  

Tradição paulistana, de 1913 a 1999.  (foto: Facebook)


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

UM NOVO TEMPO... (3)

Como pode um filho de nordestinos não ir ao Nordeste por mais de 30 anos?  Pois é, em Setembro fui, fomos, Alagoas, um destino há muito desejado, terra de Djavan, de Ledo Ivo, dos dois primeiros presidentes do país e, lembrei no caminho entre Maceió e Porto de Pedras, do Aurélio. Antigamente todo mundo tinha um dicionário Aurélio à mão para tirar dúvidas de, por exemplo, sucesso e sucessão.  O celular facilitou horrores a consulta, mas ainda faço de puxar o pesado volume aqui ao lado, modo de não perder o hábito de ir a uma fonte com credibilidade, modo de exercitar os músculos do braço...  Então foi com grande surpresa que vi esse monumento na beira da estrada, na entrada de Passo de Camaragibe, terra natal do lexicógrafo.  Só deu pra parar na volta, uma semana depois.  Tinta fresca, monumento inaugurado em Maio. Ía postar uma foto do verde impressionante das águas da Costa dos Milagres, mas lembrei desse ocorrido, que achei mais legal pra homenagear a região, agradecer aos nordestinos pela cultura que sempre entregaram ao Brasil e, hosana!, ter sido o bastião (no Aurélio, "parte da fortificação que avança..."), ter sido o bastião da resistência.  Sem eles o Brasil entrava no modo "terror" 2023 afora.  Obrigado Nordeste!



sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

LENDO.ORG (58)

Li 28 livros em 2022. Mais teria, não fora um ano repleto de expectativas e coisas importantes...  Sem querer querendo, dividi bem: 14 ficção e 14 não ficção.  Anoto o livro na agenda, coloco data, dou nota. Conferindo o registro percebo como o tempo é misterioso: parece que faz um século que li O Plano Infinito, de Isabel Allende (terminei em 10/03).  De tanto Adriana falar bem dela, fui experimentar.  Vi que ela é virtuose no escrever, cheia de imaginação, mas como não me emocionou em  nenhum momento, dei nota baixa.  Gancho pra dizer que a nota mais alta foi pra uma releitura: Frankenstein, de Mary Shelley.  Vai ser virtuose, cheia de imaginação, e emocionante a cada página na saga do criador Victor Frankenstein perseguindo mundo afora a criatura lá longe!  E tinha 21 anos quando escreveu esse clássico, my God! Coloquei pra mim que na vida daqui pra frente estarei sempre lendo um livro de ficção, então catei na estande dos livros do Clube de Literatura Clássica (todo mês um clássico em edição primorosa, fique sócio, é menos que uma pizza, aqui), catei na estante Crime e Castigo, Dostoievski.  Me desafiei. Pra começar 2023 com pé direito. Com os dois pés direitos, se me entendem...



sábado, 10 de dezembro de 2022

NÃO É POR AÍ... (92)

Copa do Mundo emociona, o racional vai pro espaço, mas: não é justo - beira a covardia - condenar Tite pela eliminação (muitos diriam, pelo fracasso) da seleção. Dia seguinte, ainda de ressaquinha, vejo assim: foram 5 partidas emocionantes, futebol de alto nível praticado pela Canarinho e pelos adversários.  Fomos eliminados pela atual vice-campeã mundial, que tem o seu principal maestro - Modric - jogando muito mais bola do que Neymar. Time por time, o croata é mais entrosado e disciplinado. Sem falar no goleiro dos caras, que é fora da curva...  Tite cometeu erros? Por certo, como colocar o jovem Rodrigo pra cobrar o primeiro pênalti...  Mas qual ser humano não erra, quando em tal situação crítica e cheia de elementos aleatórios? Por acaso é simples reger um grupo com 26 egos exaltados (e milionários), que quando quiserem fazer batucada no ônibus (isso concentra a equipe?) ou ensaiar dancinhas (ah, com certeza deixaram de ensaiar chutes e cruzamentos), nem o grande maestro Karayan conseguiria impedir? É bom lembrar que o time melhorou com as mudanças no 2º tempo, e que o técnico não pode ser responsabilizado pelos gols perdidos na pequena área pelos atacantes. Ah, mas o Tite correu para o vestiário ao final da partida, que coisa! Bem, alguém pode imaginar a frustração e a dor que o técnico - tímido por natureza - deve ter sentido naquela hora, sabendo, lá no fundo, que ele é que deveria ser consolado pelos atletas naquele instante, e não o contrário?   Em 82 Telê Santana foi eliminado nas quartas, mesmo com Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo, não com empate, mas com derrota (chorei). Em 2002 Felipão entregou o Penta, mas tinha uma constelação: Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Roberto Carlos, Cafu...   De diferente, Tite tinha apenas Neymar (e verdade seja dita: bichado faz tempo).  Hoje no Estadão tem crítica ao técnico por não ter levado o Cássio, que “cataria” uns pênaltis ontem...  Pera aí gente! Tite foi um digno ser humano durante os seis anos à frente da seleção e, só por isso, merece sair pela porta de frente.

Triste Tite...
(foto Robert Michael/ Getty Images/ ge.globo.com)


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

UM NOVO TEMPO... (2)

Divida Sergipe (o menor estado brasileiro) ao meio. Esse é o tamanho do Catar.  Nesse naco de terra (desértica), coloque oito estádios babilônicos. Não duvide. Coube tudo isso nesse “país”.  Entre aspas, porque um "país" que não tem parlamento nem partidos, em que o emir dá a última palavra em tudo, que apedreja réus, em que depoimento de mulher vale metade do valor do depoimento de homem, que não tem leis trabalhistas decentes (denúncias de maus-tratos e mortos na construção das arenas foram abafadas), sei lá se pode ser chamado de país. Tá mais pra enclave despótico.  E quando põe toda a ostentação em cima, tá lindo de morrer!  Já nas quatro linhas, acompanho Copas desde 1974 , quando todos os selecionados jogavam aqui, e seus rostos eram mais que conhecidos. Hoje é dureza ter uma seleção com oito (!) jogadores ilustres desconhecidos meus, desculpe a ignorância.  E o nosso camisa 10, ok, é craque, mas a anos-luz da categoria de ser de outros 10 (Rivellino, Zico, Raí, Rivaldo) que vi jogar em Copas...  Ser humano é o Tite. Taí um técnico pelo qual valeria torcer... mas desculpe aí Tite, vai ser difícil acompanhar essa Copa.

Desculpe aí Tite...  (foto: Antonio Lacerda/EFE/veja.abril.com.br)



quinta-feira, 10 de novembro de 2022

LENDO.ORG (57)

Para quem ama livros e ler, o paraíso na Terra se chama Feira do Livro da USP.  Todo o catálogo de mais de 150 editoras com 50% de desconto.  Já que o salário não dobra, o preço dos livros vai à metade, e agora sim, é garimpar os livros preferidos entre milhares que estão lá à mostra, à mão.  Pra facilitar, pesquise no site da Feira (aqui), por editora, se o livro desejado está disponível, confira o preço original e o desconto.  Adoro sebos, mas livro novo tem um gosto (um cheiro, um tato) especial.  Fica ao lado da praça do Relógio, na USP.  Só até Sábado. 

Festa do Livro da USP 2022



quinta-feira, 3 de novembro de 2022

UM NOVO TEMPO... (1)

Pela vida afora lembrarei dessa batalha épica, em que a civilização venceu a barbárie.  Em que o Brasil escapou de se tornar uma gruta medieval de enquadramentos e torturas.  Só ignorantes não viram, só mal-intencionados não admitiram (não vêem ou não admitem as saudações nazistas em SC) isso.  Agora é tocar o barco, em águas ainda (e por muito ainda) turbulentas. Quero homenagear cinco pessoas corajosas, paladinas nessa cruzada.   O historiador Marco Antonio Villa, destemido desde o primeiro momento.  “Hoje é o dia mais feliz da minha vida”, disse na noite de 30/10 (aqui).  Fiquei pensando: e o dia do seu casamento?  (Ele e a sua Letícia...) E o dia do nascimento dos filhos?  Sei lá, foi uma figura de linguagem para mostrar o tamanho da coisa.  Parabéns Villa!  Tenho livros seus aqui.  Era seu admirador há muito, agora sou seu fã! A senadora Simone Tebet, corajosa ao assumir de cara posição pela civilização, contra a barbárie. Sem ela, roça! A jornalista Eliane Cantanhede, lúcida, no Estadão e na GloboNews, há tempos, jogando sementes de civilização, contra a barbárie. O jornalista Reinaldo Azevedo, de quem eu não era entusiasta, mas na reta final viu o tamanho da encrenca, tomou posição pela civilização, contra a barbárie.  Olha, muitos fizeram o trabalho de formiguinha que competia a cada um, mas relevo Adriane Bernardes, que do alto do Jardim Joamar, na ZN, colocou sua beleza e sua resiliência totalmente a  favor da causa, corajosamente, pela civilização, contra a barbárie.  Os imprescindíveis...  E o trabalho continua.

Villa, no dia mais feliz da sua vida...


 

domingo, 21 de agosto de 2022

LENDO.ORG (56)

Não existe paulistano que não tenha lembranças e histórias de shopping pra contar. Aos montes, eu diria. A cidade foi desprestigiando as lojas de rua (quem lembra do comércio da rua Direita, da Barão de Itapetininga ou da rua Augusta?), e foi pipocando shoppings...  Eles já quase fazem parte do nosso DNA. OK, tem coisas que facilita mesmo ir a um shopping pra comprar.  Fiz isso ontem. Deu certo, comparei lojas, comprei, aí fui procurar a livraria...  O que?, não tem??  Bem, eu sabia que a bela e ampla livraria Cultura do shopping Bourbon tinha sido fechada, mas não colocaram nenhuma pra substituir?  Shopping chique e cheio, milhares de pessoas "de nível" circulando, centenas de lojas, e nenhuma livraria?  Ah, decidi conferir a situação disso no shopping West Plaza, tadinho, tão esquecido depois da construção do concorrente, afinal são separados por uma reta de 500 metros, ambos bem grandes mas, 17 anos mais velho (1991 X 2008), este não é páreo para o luxo daquele. Fui a pé, entrei, cliquei no totem, anunciou a livraria Leitura.  Ah, a Leitura é a livraria com mais lojas no Brasil, mas deve ser uma livraria meia-boca, afinal esse shopping vive vazio...  Que nada!  A Leitura do West Plaza me surpreendeu pelo tamanho e pelo acervo de livros. E, durante a hora que fiquei lá, proporcionalmente tinha mais gente na livraria do que nos corredores...  Fiquei satisfeito.  Depois fiquei pensando, o shopping chique não tem livraria... Sinal dos tempos? Será que nunca vai dar pela falta?

Na livraria Leitura do West Plaza ontem.



segunda-feira, 8 de agosto de 2022

SAUDADES... (48)

Quando gênios se encontram, saem coisas geniais.  Imagine Jô Soares recitando Álvaro de Campos, o heterônimo mais dramático e radical de Fernando Pessoa.  É emoção pura!  A declamação do Jô vira um monólogo teatral.  Está no LP "A Música em Pessoa", que guardo comigo apesar de há muito não ter mais toca-discos, mas a santa Internet permite ouvir a voz do Jô aqui. Seu sotaque está tão lusitano que cabe acompanhar o texto da poesia aqui.  Fone de ouvido, por favor, para nada perder da grandeza do gordo. Saudades...  
Trecho do encarte do LP "A Música em Pessoa". 


quinta-feira, 28 de julho de 2022

LIXA GROSSA & CIA LTDA (60)

O texto de Eugênio Bucci é primoroso e está aqui.  Mas segue abaixo na íntegra, porque é imperdível. 

E A CANETA BIC?
 
Depois que tudo isso acabar – e uma hora ou outra isso tudo vai acabar, vai ter de acabar –, o que terá sido da imagem da velha caneta BIC? Ela, com seu plástico transparente sextavado, sua tampinha azul, quem é que vai resgatá-la do lixo da História? O uso insistente e ofensivo que o presidente da República vem fazendo da pobrezinha, existirá saída para tamanho enxovalho?
 
Que destino dilacerante foi sobrar para ela. A toda cerimônia oficial, essas que são emolduradas pelo mármore branco do Palácio do Planalto, com as cores do Brasão da República ao fundo, ou ao lado, ou acima, ou abaixo, lá vem o sujeito espalhafatoso e falastrão, arreganhos como se fossem sorrisos, sacando uma BIC do bolso para assinar isto e mais aquilo, diante de todo mundo. Tem sido assim com tanta frequência, com tanta desfaçatez, que a gente morre de dó, de constrangimento e de vergonha.
 
Incrível que ninguém tenha protestado contra o sequestro. Lá está ela, indefesa, no noticiário de todo dia, emprestando sua tinta inocente para atos contra as florestas, contra os povos originários, contra a paz, todo tipo de atrocidade. Que tristeza. Logo ela, que não tinha nada que ver com isso. Justo ela: não é justo.
 
Deveríamos pensar mais sobre o assunto. Pouca coisa diz tanto sobre o esgoto brasileiro como a usurpação serial da velha esferográfica. Por que o chefe de Estado resolveu tomá-la por prolongamento fálico? O que ia em sua cabeça, onde nada vai de bom? A resposta é simples, embora desoladora.
 
A BIC é uma ferramenta perfeitamente fungível. É a pena desprovida de individualidade, mais ou menos como um hambúrguer de fast food ou um pedaço de giz. Ninguém herda uma BIC do pai. Ninguém guarda uma BIC de lembrança, pois não há nada nela que a diferencie de qualquer outra igual a ela. A BIC é como botijão de gás. Um casco de cerveja. Se três pessoas misturam suas BICs numa reunião, nenhuma delas saberá direito qual era a sua.
 
O mais intrigante é que, graças à sua fungibilidade, sua impessoalidade extrema, ela fez muito pela escola. Ajudou a alfabetizar pessoas, tornou a escrita, de algum modo, um pouco mais acessível: a promoção das crianças que aprendiam a escrever a lápis e, depois, podiam passar para a caneta ficou mais em conta. E como era solene desenhar as letras a tinta, mesmo que a tinta fosse de uma BIC. Como era bom ir com a mesma BIC até o fim da carga. Quando ela falhava, bastava aproximar a esfera de uma chama de palito de fósforo, com cuidado para que a ponta não derretesse. Dava certo.
 
Surgiram marcas de imitação. Ruins. Houve, também, um tempo em que lançaram inovações de alto luxo, como a BIC Clic, mas nada superou a original. A BIC era boa porque era de todos. Pobres e ricos escreviam com ela. Se havia um objeto que atravessava as classes sociais sem incomodar nenhuma delas, esse objeto era a BIC. Padres usavam BICs. Presidiários. Advogados. Prostitutas. Adolescentes. Até analfabetos. Usava-se o tubinho da BIC para traqueostomia e salvar vidas. Usava-se o mesmo tubinho para cuspir bolinhas de papel mastigado nos colegas de classe. A BIC era democrática – isso antes de a democracia entrar em implosão de dentro para fora.
 
Então, veio este tipo aí – este mesmo em quem você pensou, este que aí está, este aí. Por que ele escolheu a BIC para Cristo? (Voltemos à pergunta, que ficou esquecida lá atrás.)
 
Não, não foi pelo que ela tinha de barato e de bom, mas pelo que ela tinha de barateado e de vil. Ele a escolheu para mostrar que nunca, jamais, em nenhum momento, nenhum dia, nenhuma tarde, nunca mesmo, a afeição lhe passou pela caligrafia. Ele não teve uma superstição com canetas. Nem mesmo simpatia ele teve, tem ou terá. Ele não sabe o que é isso. Nem saberá. Outros podem gostar de sentir a pena da tinteiro deslizando sobre a rugosidade do craft ou do canson. Ele, não. Outros podem achar que autografar um livro com aquela mesma ponta porosa vai dar sorte. Ele não (vai sem vírgula). Outros podem pressentir no dorso de uma roller antiga as digitais ainda quentes de um escriba que já se foi. Ele não.
 
Sempre assim: ele não, ele não, ele não. Para ele, a escrita é vazia de simbólico e de espírito – e a BIC é uma forma de declarar que a caneta vale menos que uma arma de fogo. Em se tratando de armamentos, o tal deve distinguir modelos, deve ter preferências e até estimações; deve saber a diferença entre fuzil, cartucheira, carabina, rifle e espingarda. Quanto às canetas, para ele, são todas indistintas: tudo a mesma porcaria, todas BICs, todas genéricas. Ele assina os decretos como quem desfere um tapa na cara de alguém que preze a cultura, pois vê a cultura como um entulho descartável, como uma caneta descartável. Ele escolheu a BIC para dizer que descarta a cultura.
 
Onde a BIC significava simplicidade, ele inventou a representação do desprezo, e com seu desprezo humilha as letras, o saber, a compaixão, a democracia e a criança que a gente é até hoje, quando pergunta: o que vai ser da nossa BIC?


sábado, 23 de julho de 2022

LANCES URBANOS (77)

Nasci na rua 25 de Março nº 171, prédio Alice, em 1963. Era atravessar a rua Hércules Florence e dar de cara com o majestoso parque Dom Pedro II ainda florido. Mas veio 1970, as obras do metrô começaram, os ônibus da praça Clóvis desceram para o parque, os jardins viraram terminal de ônibus e a região toda começou a degradar, já são 50 anos de abandono. Por isso vejo com interesse a proposta da prefeitura de parceria público-privada para recuperar essa área fundamental para a qualidade de vida paulistana. O plano propõe grandes modificações. Até o enorme quartel do Exército, em ruínas, seria recuperado (detalhes na matéria aqui). Só que (claro que tem um grande "só que") como coloquei na cartinha de hoje no Estadão impresso, trata-se de um grande projeto de médio e longo prazos. E o agora? E o necessário curto prazo, em um Centro Velho e Novo que está tão decadente, tão caído? Vou dizer, ele está tão abandonado, tão esvaziado, que fica até mais fácil intervir e ir construindo recuperação. Acredito piamente na capacidade humana de se unir, com diálogo, em parceria, e ir construindo coisas positivas. O Centro já teve algo assim nos anos 1990, com a operação Viva o Centro. É nessa linha, envolvendo dezenas de grandes (e pequenos) "players" que ainda estão no Centro, como OAB, CEF, TJ, Associação Comercial, braços culturais do BB e do Santander, UNESP, SESCs, Catedral da Sé, Bovespa (!), etc, etc. É a sociedade civil se mexer e orquestrar a recuperação, sem esquecer o social, que é o calcanhar de Aquiles de qualquer proposta para os Centros. Dá pra fazer. Eu acredito!
Estadão impresso de 23/07/22


quarta-feira, 13 de julho de 2022

LANCES URBANOS (76)

Fui avisado que uma edificação está sendo construída no Parque do Ibirapuera.  Incrédulo, fui conferir com os próprios olhos, afinal prédios pipocam pela cidade, mas dentro do Ibirapuera eu achava inconcebível. Que nada! Neste país nada mais surpreende, exceto a passividade com que admitimos tudo. Dois operários da obra e um vigia disseram que seria uma "academia". Claro que fiquei mal e mandei mensagem para a concessionária que desde 2020 administra o parque, a Urbia (aqui).  A assessoria de comunicação respondeu literalmente assim:  A construção não abrigará uma academia. No local, será construído um centro de apoio e fomento à prática esportiva no parque Ibirapuera. Os usuários terão acesso a mais banheiros e também à vestiários com chuveiros. Haverá lockers para armazenar pertences pessoais com segurança. Outra comodidade está a possibilidade de alugar ou adquirir acessórios para as variadas práticas esportivas como bolas, redes, raquetes e até skate e patins bem como equipamentos de proteção individual como capacetes. Uma nova estação de aluguel de bicicletas também está contemplada.  A previsão para a entrega do local é em 2023.  Aí perguntei qual autorização foi obtida para essa construção.  E a resposta literalmente foi: Estamos construindo em um local que já existia um prédio. Estamos seguindo o plano diretor.  Quando perguntei qual plano diretor, não tive resposta. O fato é que o Parque do Ibirapuera, criado há 68 anos, ficou pequeno para tamanho atual da cidade e sua demanda. Sendo tombado, nada se constrói ali sem muita análise e debate. Mesmo a construção do auditório, em 2005, foi alvo de muita polêmica (aqui) e olha que ele fazia parte do projeto original do Niemeyer, e houve compensações ambientais dentro do parque. Não ser uma "academia", como os boatos disseram, menos mal. Porém segue o inconformismo de ver um prédio surgir DENTRO do oásis verde nº 1 da cidade. Contramão total!

Prédio em construção no Parque do Ibirapuera (07/2022)



terça-feira, 5 de julho de 2022

LENDO.ORG (55)

Bienal do Livro se define em uma palavra: alegria. E é contagiante.  Não se vê pessoa com cara franzida, e olha que vai gente.  Fui na 2ª-feira cedo, pensando em encontrar vazia, mas que nada!  Já à chegada, 9h30, super-movimento, fiquei surpreso, depois entendi:  a prefeitura de São Paulo entregou mais de 90 mil vales-livros de R$ 60 para alunos e professores da rede pública (aqui).  Conta simples, um investimento de R$ 5,5 milhões. Então era um enxame de crianças e jovens carregando sacolinhas de livros...  Coisa rara, o carregar sacolinhas, para esses jovens das escola públicas, cujas famílias andam tão sofridas...  Eu, como sempre, me esbaldei.  Na verdade gastei pouco, porque umas 4 livrarias de desconto tinham livros muito interessantes por R$ 10 ou R$ 20. São as livrarias que trabalham com as pontas de estoque (ou fundo de catálogo) das editoras.  Nas Bienais elas esvaziam os depósitos, para alegria de milhares de leitores-garimpeiros, olhos e cotovelos à cata de bons títulos. As editoras se seguraram, mas no último fim de semana devem caprichar nos descontos. Só que encarar a muvuca vai ser coisa pra corajosos.  Dica: a Bienal oferece ônibus gratuito saindo da rua Voluntários da Pátria, atrás da estação Tietê do metrô. Usei, porque estacionamento a preço fixo de R$ 60 no Expo Center Norte é sacanagem!

Crianças comprando livros: pura alegria.



sexta-feira, 10 de junho de 2022

LENDO.ORG (54)

Todo mundo já foi ao menos uma vez à USP, à Cidade Universitária.  Mas quem já esteve na USP Leste?  Precisou ter uma feira do livro lá, para eu nem pestanejar, afinal esse campus, inaugurado em 2005, fica em Ermelino Matarazzo, no km 17 da Rodovia Ayrton Senna.  Valeu demais ter ido.  Livros com 50% de desconto são uma delícia, me esbaldo!  Mas conhecer um campus bem equipado, com prédios grandes, bem espaçados, com muito verde e gramados em volta, me deixou até orgulhoso.  Foi bem bolado criar um campus da principal universidade do país, na Zona Leste.  Fiz PUC, é verdade, mas tem um pouco de todos nós, contribuintes, na USP. 


segunda-feira, 6 de junho de 2022

LIXA GROSSA & CIA LTDA (59)

Mil vezes prefiro o triste 13 ao nefasto 17, mas acho que uma 3ª via encorpada ainda pode se viabilizar, conforme essa cartinha que saiu no Estadão impresso de ontem.  Acho, sonho e desejo.
Estadão impresso de 05/06/22


domingo, 5 de junho de 2022

SAUDADE... (47)

Em Maio se foi Alan White, principal baterista nos 54 anos de vida da minha banda de rock preferida, disparado, o Yes.   Alan e o baixista Chris Squire foram ao programa do Ronnie Von (aqui) divulgar a passagem da banda pelo Brasil em 2013, creio que a última vez que estiveram aqui (fui à primeira delas no Rock´n Rio I, 1984).  Quis o destino que exatamente Alan e Chris fossem os dois primeiros da banda a partir.  O baixista em 2015, e agora o batera, há menos de um mês.  O Yes é tida como a maior banda de rock progressivo.  Sou suspeitíssimo pra falar pois, claro, concordo.  Um solo de Alan White aqui.  Saudades...
Alan White (1949-2022), Squire e Ronnie Von em 2013. 


quinta-feira, 2 de junho de 2022

SHOW DE BOLA! (110)

Um grande honra ser recebido pelo historiador Boris Fausto em seu escritório no Butantã. Cheguei com máscara, e ele todo lépido disse que podíamos dispensar, afinal tomou as 4 doses da vacina...  E assim o papo esticou, com muitas memórias de uma longa vida dedicada ao saber, à pesquisa e sobretudo à observação.  Muito do que ele relembrou eu já sabia, sempre digo a ele que talvez saiba mais da vida dele do que ele mesmo, afinal li e reli os seus 4 livros de memórias.  Tudo começou com o Memórias de um Historiador de Domingo, que amei, e busquei os outros.  Formado em Direito, a História entrou depois em sua vida, e entrou pra valer.  Levei 7 livros do homem pra autografar (foi mais pra ele ver, 5 já estavam autografados!  rsrs).  Não levei o História do Brasil, a mochila ficaria muito pesada...  Aos 91, segue com o humor rápido e elegante que marca seus deliciosos textos memorialísticos.  Vida longa ao Boris!  Combinamos uma champanhe lá em Outubro, mais tardar Novembro, pra brindar a saída do nefasto. 



terça-feira, 22 de março de 2022

LENDO.ORG (53)

Zweig estava em férias na Bélgica quando a inesperada 1ª Guerra Mundial começou. A ingenuidade acabava ali, e pelos 28 anos seguintes até sua morte foram essa guerra, a hiperinflação alemã, a ascensão do Nazismo, a 2ª GM...  Ele não viu o fim do que descreveu como a "grande noite". 100 anos depois Thomas Friedman pede (aqui) para não sermos ingênuos: hoje o risco do pior cenário existe.  Em 1914 um mero conflito Áustria - Sérvia não poderia ir longe, mas foi, muito mais longe...  Ok, sei, um botão pode acabar com o mundo. E aí?  O que fazer com essa consciência? Bem, eu vou levá-la a se distrair em um longo passeio. E com livros, para expandi-la. Além do austríaco levo o ucraniano Gógol, cujo A Terrível Vingança lerei pela 3ª vez. (Livro que a gente ama a gente lê 3 vezes) Levo Hilda, passarei na terra dela, vou checar a Vila Hilst que está no mapa. E levo Borges, eu disse que esse seria o ano de ler Borges, e há de ser. No caminho muitos sebos agendados... O que não a Rússia, mas Putin, está fazendo, é asqueroso, inominável. Oxalá a viagem não seja interrompida (como o Verão de Zweig) por notícias (mais) tristes.




terça-feira, 1 de março de 2022

SHOW DE BOLA! (109)

Uma vez não basta para visitar a mostra Amazônia, com mais de 200 fotos de Sebastião Salgado. Uma produção grandiosa como merece esse bioma que é um mundo.  Fica a dica:  dedique uma visita para ver as paisagens, em enormes fotos que revelam panoramas e vistas inéditas. Como a mostra (aqui) fica por mais quatro meses (até 03/07) e é gratuita, reserve um outro dia apenas para curtir com vagar as impressionantes fotos de algumas tribos indígenas e suas populações. Para mim essa é a parte principal.  A riqueza das imagens, as informações nos textos e nas legendas, dão uma real "mostra" da diversidade ainda existente, sobrevivente, dos índios na gigantesca Amazônia. Talvez você nunca vá à Amazônia, eu não sei se um dia irei, mas essa mostra está aqui ao lado no Sesc Pompéia e é imperdível. 

Uma das alas da mostra no Sesc Pompéia.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

LENDO.ORG (52)

Rússia, Ucrânia...  Fui a um sebo hoje e falavam lá em guerra...   Lamentável que ainda se pense em fazer guerras: deveriam estar vivas as lembranças de duas guerras mundiais, causadoras de milhões de mortos e feridos. Triste humanidade sem memória. Assim foi que há exatos 80 anos, em 23/02/1942, o escritor Stephan Zweig e esposa Lotte se suicidaram em Petrópolis.  Causa mortis: sim, suicídio.  Razão para isso:  a incapacidade de ver psicopatas arregimentando exércitos pra dominar o mundo, e as dores de uma guerra que se arrastava há 3 anos. Já li duas vezes O Mundo que eu vi, onde Zweig, com muita classe, descreve o final do século 19, após algumas décadas de paz.  Viena e Paris brilhavam artes e luzes, sem que ninguém antevisse o germinar da 1ª Guerra Mundial, fruto da incapacidade da diplomacia para resolver questões entre países.  Semelhante ao que acontece agora? Entre aquele então, e hoje, houve a 2ª Guerra Mundial, que Zweig - profundo humanista  (aqui) - não suportou assistir daqui do Brasil, exilado, não de camarote, porque em qualquer lugar que estivesse o sofrimento seria atroz e o mesmo: ver irmãos se matando sob ordem de líderes psicopatas - o oposto de humanistas.  A história se repete. A desgraça a um passo, com psicopatas no poder. 



terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

SAUDADES... (46)

Há anos repasso na agenda essa frase dele: Bom mesmo é problema na cabeça, sorriso no rosto e paz no coração.  Incrível, ontem mesmo, navegando pela biblioteca no modo "dispensar", peguei o livro do Arnaldo Jabor, hesitei, cambaleei, e pus de volta na prateleira: como não ter um Jabor nessa biblioteca-reta-final-da-vida?  Cara inteligente pra caramba, charmoso pra cacete, viveu na juventude a fase mais dourada que esse Brasil conheceu, o final dos anos 50, e no Rio!, cidade então mais maravilhosa impossível!  Conviveu com belas mulheres (em Eu te Amo viu nuas de perto Sonia Braga e Vera Fischer, quer mais?), casou três vezes (epa!, casar a 3ª vez é burrice, deixa pra lá), opinava em pleno Jornal Nacional (sucesso garantido com sua "vocação para teatralizar seus pontos de vista", diria Ruy Castro),  foi cronista de grandes jornais...  Taí um cara invejável, pensava eu às vezes... Um cara que (verbete na enciclopédia ipanemense, portanto bom nadador), tenho pra mim, aos 81, não conseguiu superar a rebentação dos dois tsunamis que devastaram a sua (nossa) sensibilidade nos últimos anos. Quem o conheceu sabe: morreu engasgado com a situação do país. Seus filmes e livros não deixarão ter saudades, mas desde já deixa...

Arnaldo Jabor (1941 - 2022)


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

LENDO.ORG (51)

Postagem cedinho, pra você poder ir a uma banca de jornal (ainda existe!) e comprar o Estadão.  Hoje, há 100 anos, 11/02/1922, abria a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal (*), e o Estadão traz um gostoso caderno de 8 páginas sobre o evento que marcou a cultura brasileira.  O grande Ruy Castro contesta, bairrista como todos somos, dizendo que no Rio muito coisa "revolucionária" já acontecia, e que o ibope da Semana de 22 é muito devido ao trabalho dos acadêmicos da USP, por décadas incensando o evento e seus eventuais.  Bom, o caderno comemorativo  traz até matéria falando disso, dos precursores dos Andrades, das Anitas e Tarsilas, dos Brecherets e Villa-Lobos...  Traz indicação de livros, passa um pano geral. Faz tempo que não suja os dedos com jornal impresso?  Vai lá!   (*) O primeiro recital foi dia 13, mas dia 11 inaugurou a exposição de artes plásticas.

Caderno especial no Estadão de 11/02.



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

LANCES URBANOS (75)

Contatado pela produtora do Jornal da Record, de estalo passei 4 pontos de interesse no largo do Arouche:  O Gato que Ri e o La Casserole, restaurantes há 70 anos no local, a sede da Academia Paulista de Letras e o maravilhoso chichá, árvore centenária que é até verbete do wikipedia (aqui).  Depois puxei da estante Paulo Cursino (São Paulo de Outrora) e Roberto Pompeu de Toledo (A Capital da Solidão) pra lembrar sobre o marechal Arouche Rendon, maior político paulistano na virada do séc. 18 para o 19, que em sua chácara em que plantava 40 mil pés de chá abriu um clarão para os militares treinarem artilharia, que viria a ser depois o Largo do Arouche e o resto é história.  Aí fui pra entrevista no largo mesmo.  Cheguei uma hora antes e rodei pelo pedaço.  A entrevista começou, gravei meia hora e no programa apareci 10 segundos (coisa de jornalismo diário).  No jornal falei espremido entre estatísticas de crimes e cenas de trombadinhas e medo no centro (coisa de Record rsrs).  Enfim, veja a matéria aqui, que abriu o jornal.  Confesso que voltei pra casa otimista.  O Arouche é o extremo do Centro Novo, ainda consegue exalar, pra quem tiver nariz pra buscar, aromas dos "bons tempos": os prédios classudos, as atrações citadas e outras (as floriculturas, os vários brechós com coisinhas muito curiosas - comprei uma caixa da série Ally McBeal por 5 reais! - etc).  O que falta lá, como no centro todo?  Falta o povo voltar. Os desabrigados e nóias se destacam no vazio.  E como o povo vai voltar? Primeiro, tem que passar a pandemia, a economia se recuperar, e os milhares de m2 de escritórios fechados voltarem a ser ocupados.  Mas não basta. O povo não vai voltar antes da sociedade civil se unir a empresas e entidades da região, e articularem junto - eu disse juntos - um projeto planejado, realístico, de intervenção no centro, forçando o paquidérmico poder público a se mexer e participar, tornando aos poucos o centro de novo (e velho) convidativo.  Tá tudo lá.  Acho que dá.

Morro de amores por esse chichá no largo do Arouche.