terça-feira, 23 de janeiro de 2024

LANCES URBANOS (92)

Não estarei em Sampa nos 470 anos. Quer dizer, sairei cedinho, estrada para o Sul.  E irei pensando na minha cidade. Tristicidade.  Benedito Lima de Toledo escreveu o clássico São Paulo: Três Cidades em um Século.  Veio o século 21 e com ele a "quarta", diria o arquiteto. É essa cidade que estamos assistindo arrasar quarteirões para instalar prédios parrudos...  Cidade de excessos, ultrapassando limites...  Só um ano dos meus 61 não morei nela. Torci pra Noah nascer no dia 25, deu 24 e melhor assim, cada uma tem seu aniver exclusivo no meu coração.  Uma é filha e a outra é...  Como somos muito onde nascemos e vivemos, São Paulo é sim uma mãe (má mãe?) mamãe pros paulistanos... E estamos maltratando ela, filhos mais que ingratos.  Com os fones de ouvido (sem fios!) atarrachados nos ouvidos (orelhas!), não ouvimos seus gemidos de dor (santa alienação!). Infelizcidade...  Se eu pudesse dar um presente pra ela, seria todas as motos estupidamente barulhentas silenciando num passe de mágica, porque por obra e graça de um gestor público, quando será?  Sim, ok, seria um presente também pra mim, que por ler muito amo silêncio, mas não se vê que a cidade sofre com essas motos zuentas e esses lixos espalhados e esses prédios infinitos e essas pessoas sem teto nas ruas?  Pedi sem esperança o presente mais simples pra ela e pra nós: motos elétricas (que a pizza não pode esperar), silenciosas...  Nos 480 anos talvez?  Nos 490? Nos 500!  Terei 91 anos (chego, é a idade do meu pai hoje). Esperança, dizia dom Paulo Evaristo Arns, não pode faltar jamais. 

470 anos depois, o Pátio, onde tudo começou, está assim. (foto:  Blog Geraldo Nunes/Google)


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

LANCES URBANOS (91)

A Globo me chamou pra falar do trenzinho da Cantareira. Quem recusa o convite de uma vênus platinada e madura?  Eu não, incontinenti fui.  Tem a ver com o aniver da cidade, 470 anos semana que vem.  Bem, a linha tinha três nomes: aquele, o oficial Tramway da Cantareira, e o mais querido de todos, Trem das Onze.  E era esse que interessava o repórter do Antena Paulista.  Não adiantou eu decorar datas:  a linha-tronco para o Tremembé em 1893, o ramal para o Jaçanã em 1910, e tudo virou história em 31 de Maio de 1965.  E pó (pelo menos a estação Jaçanã) em 1966. Ele não perguntou isso.  Fez perguntas amplas, filosóficas, que respondi gostosa mas frustradamente.  Só quando ele perguntou "e aí, existia mesmo o trem das 11 horas?"  Aí orgulhosamente tirei da mochila o Guia Levy 1960, com a grade de horários do trenzinho em todas as estações, nos dois sentidos, tipo linha de trem italiana, a mais pontual do mundo.  Não existiu.  A última composição saía da estação Tamanduateí às 9 da noite, o que, convenhamos, não daria nenhum charme à canção. "Se eu perder esse trem, que sai agora as 9 horas...", podia perder e umas 9h30 partir a pé que chegava, cansado, mas chegava no Jaçanã. Já 11h é outra boemia... E por que Jaçanã?  Isso eu sabia, mas deixei o sobrinho do Adoniran falar. Sérgio Rubinato, 79 anos, um conversador animado, fiquei batendo papo com ele enquanto a equipe filmava dentro do Museu do Jaçanã, e voltava triste: o museu, ao lado de onde ficava a estação, está um bagaço, sofrendo furto atrás de furto...   Sérgio contou que tem coisas do Adoniran espalhadas por vários museus, mas um museu só dele, no Brasil não tem.  Só em Israel (aqui), o filho do Sérgio, sobrinho-neto do compositor, foi na inauguração...  Enfim, por que Jaçanã? Morar, Adoniran só morou na rua Aurora e na Cidade Ademar. Se fosse pela rima com "só amanhã de manhã", poderia ser Butantã ou Sacomã, mas nã.  O Jaçanã ele frequentava. Lá ficava a Cinematográfica Maristela (aqui), onde Adoniran fez ponta e protagonismo em vários filmes.  Mas isso é pouco, é fatual, o que conta é a poesia: só o Jaçanã tinha uma estação de trem pra chamar de sua.    

São sempre 11 horas no relógio do Museu do Jaçanã