quarta-feira, 28 de julho de 2021

SHOW DE BOLA! (107)

Há muito tempo digo que skate é esporte, entre os 3 mais praticados no país depois do futebol e da corrida (o famoso "cooper").  Já são cinco décadas de prática intensa (em 2000 lancei o livro A Onda Dura - Três Décadas de Skate no Brasil) e história colorida (com fases dark como é natural nesse esporte rebelde), culminando com as duas gloriosas medalhas de prata na modalidade street (e não acabou, semana que vem tem a modalidade park).  Legal, mas na real eu não ia postar nada (ao contrario da Rio 2016, essa Olimpíada não está no meu radar, ocupado com outra encrencas), mas quando até a sóbria rádio Cultura FM apresenta uma longa crônica sobre a fadinha Rayssa Leal, e a capa do caderno Quarentena do Estadão também trata da prata de 13 anos, pensei, puxa, foi mesmo um dia legal aquela tarde de Domingo do distante ano de 1978, em que cheguei no Ibirapuera pedalando uma Caloi 10, e saí de lá vidrado em ter um skate, ao assistir uma campeonato na marquise: feras faziam manobras que eu não imaginava que existissem...  É como hoje, quando tantas crianças vão descobrir as possibilidades do skate ao ver as manobras de Rayssa e Kelvin (o nosso Hoefler moreno, nada alemão como insinua o nome), e já querem praticar.  Eu então pratiquei.  Dos 15 aos 18 vivi intensamente o skate, me marcou a vida.  Verdade que marcou mais meu irmão Fábio Bolota, que faz do skate profissão até hoje, está com vinhetas na 89FM. Vida longa ao skate brasileiro!

Rayssa Leal em Tóquio, prata.  (foto: @worldskate)


sábado, 24 de julho de 2021

LANCES URBANOS (69)

Botaram foto na estátua do Borba Gato. Ainda bem que ela é de concreto armado, e com dois trilhos de trem em sua estrutura, chamuscou, mas não vai cair.  Faz parte da história brasileira, no séc. 17 desbravou o território levando a Minas e Goiás, terras paulistas até ganharem vida própria.  Faz parte da história paulistana, quando em 1963 a estátua foi erguida e admirada pelos moradores, uma referência para quem passava o Brooklin e se aproximava de Santo Amaro, tempos de corações menos turbulentos. Tosca?  Kitsch? Discutível.  Símbolo de supremacistas brancos? Vamos discutir isso, cambada, antes de tacar fogo?  Ou que tal antes assistir à aula do Eduardo Bueno (quem vai negar que ele é um historiador libertário) sobre Borba Gato (aqui)? 

Aula de Eduardo Bueno sobre Borga Gato.


terça-feira, 20 de julho de 2021

LENDO.ORG (44)

Quando estive no apartamento do editor Gumercindo Rocha Dorea, há quase 40 anos, ele já tinha mais idade do que eu hoje.  E menos livros nas prateleira, porque, consumidor compulsivo deles (sei como é isso), foi muito mais acrescentando do que tirando, até ter quase todo o confortável apartamento na Aclimação tomado de livros. Sei disso porque, em Fevereiro, aos 96 anos, o sr. Gumercindo se foi (aqui)...  Longa vida dedicada a lançar escritores (simplesmente Nélida Piñon e Rubem Fonseca entre eles) e divulgar ficção científica, de que foi um dos editores pioneiros.  Seus filhos Guga (de quem sou amigo há quatro décadas) e Tera me receberam para rever a biblioteca e,  carinhosamente, me presentearam com esses da foto. Não fizeram cerimônia, porque havia ali mais de 7 mil livros, avaliou um neto do sr. Gumercindo. Obrigado! Me proporcionaram a alegria de ter um livro que cobiçava há tempos, Cascalho, de Heriberto Sales, romance ambientado na terra de meu pai, Chapada Diamantina, e Itabuna, Minha Terra!, com essa exclamação mesmo, terra da minha mãe.  Eu sou um baiano produzido em Sampa...   Bem, os mais valiosos livros do seu Gumercindo estão indo a leilão (aqui).  Nos vemos na sala virtual de lances! 

Satisfação dos livros ganhos da biblioteca do sr. Gumercindo.



quinta-feira, 15 de julho de 2021

LENDO.ORG (43)

Antigamente era assim: a gente lia uma resenha no jornal, se interessava e ia na livraria comprar.  Antigamente nada!  Foi assim mesmo: li a resenha no Estadão, no ato me interessei.  Mas aí pensei que seria um bom presente pra pedir de dia dos pais...  Só que não. Passando pelo Itaim Bibi, não resisti à tentação de esticar até a simpática livraria Vírgula e desafiá-los:  teriam um exemplar do recém-lançado livro da professora Leyla Perrone-Moisés?  Tinham!  Levei.  Leyla é uma das mais experientes e conhecidas professoras de literatura da USP, e relata a convivência direta que teve com Cortázar, Leminsky, Barthes, Saramago e outros clássicos.  Memórias é comigo mesmo.  Já o recém-lançado de Eugênio Bucci, a Vírgula não tinha.  Fica a dica pras filhas...  ET.: li o 1º capítulo, em que Leyla conta das aulas de pintura com o grande artista plástico Samson Flexor. Ela se deixou influenciar pelo abstracionismo geométrico do pintor, que descobri certa vez no terreno do Hospital São Luiz Gonzaga, no Jaçanã.  Lá existe um grande trabalho dele, numa capela.  Meio abandonada, torço para que não desapareça.. 
Hoje no Itaim Bibi. 



segunda-feira, 5 de julho de 2021

LENDO.ORG (42)

Ganhei os 50 primeiros números da revista Cult, não me aguento de ver a pilha de revistas entre as pilhas de livros, ali no canto. Pura alegria.  Nascida em 1997, a Cult então só tratava de literatura.  Hoje está no nº 271 e estendeu bem sua abrangência: arte, cultura, filosofia, literatura e ciências humanas. Um amontoado...   Devo esse presente prazeroso ao Guga e à Tera, amigos que estão administrando a vasta biblioteca de mais de 6.000 volumes que seu pai, o editor Gumercindo Rocha Dorea deixou...  Conto mais sobre o seu Gumercindo quando falar dos livros que também ganhei. Como dizem, mais feliz do que pinto no lixo, vou saborear revista por revista, informações atemporais...



quinta-feira, 1 de julho de 2021

LIXA GROSSA & CIA LTDA (57)

Com a lucidez de sempre, Bucci tenta entender essa indecência. 

Na quinta-feira passada, numa aglomeração eleitoreira que promoveu no Rio
Grande do Norte (aqui), o presidente da República segurou um garotinho no colo e,
num gesto obsceno, abaixou-lhe a máscara. A cena estarrece pelo que tem de
imoral e abusivo. A mão do poder, com a displicência de um aceno, expõe um
inocente ao contágio. Nota-se um quê de pouco-caso. O chefe de Estado parece
à vontade para desnudar o rosto infantil, sem sinal de respeito, sem a menor
cerimônia; simplesmente puxa para baixo peça que cobre a boca e o nariz da
criança.
 
O menino, que, vestindo uma camisa amarela, saiu por aí para acabar num
abraço genocida do governante, representa o Brasil inteiro. O vídeo é o
atestado definitivo da miséria ética em que a Nação se deixou encarcerar.
Aquilo somos nós. O País foi sujeitado pelo egoísmo autoritário – o egoísmo
de quem manda. O único valor moral que esse autoritarismo reconhece é uma
noção bastante primária de “liberdade”: a liberdade dos outros não existe,
só o que importa é a “minha” liberdade. Os outros serão livres apenas para
concordar comigo e, caso se atrevam a discordar, serão declarados “inimigos”:
maus brasileiros, impatriotas, mesmo que não tenham mais do que 6 ou 7 anos
de idade.
 
Essa fórmula de moralidade é bruta, estulta, opaca, rasa e inculta. Trata-se
de um código de conduta prepotente e xucro, segundo o qual “eu sou livre
para não usar máscara e qualquer pessoa que use máscara na minha frente está
atentando contra a minha liberdade”. Eis por que o presidente da República
recebe como um desaforo a presença de qualquer pessoa que vista uma máscara
na frente dele, mesmo quando essa pessoa é uma criança frágil.
 
Estamos, é claro, falando da liberdade dos que não admitem a liberdade do
outro – ou da liberdade daqueles que se armam para acabar com a liberdade de
todos. Estamos falando da extrema direita antidemocrática, essa que no
Brasil responde pelo nome de bolsonarismo, que sequestrou a palavra
liberdade dos dicionários. Na cabeça desse pessoal, só eles têm o direito de
falar em liberdade, pois só eles defendem a liberdade. “Eu sou livre para
não usar máscara”, grita um. “Eu sou livre para não tomar a vacina”, secunda
o bajulador. Não lhes ocorre que a questão possa ter outras dimensões. Eles
não dispõem de aparato cognitivo para tanto. Basta ver e ouvir o presidente
da República, que não alcança nenhuma outra dimensão além da encerrada no
individualismo mais torpe.
 
Não ocorre a nenhum deles que a liberdade do brucutu que repudia a máscara
não pode valer mais que o direito do outro de não ser contaminado. Eles não
enxergam o sentido do respeito pela outra pessoa. Não conseguem compreender.
Não percebem que, se quisermos viver em sociedade, a liberdade de um
indivíduo – digamos, a liberdade de ser estúpido – não pode ser posta acima
da liberdade que os outros têm de se proteger contra a pandemia. Não
entendem que a liberdade individual não inclui o direito de oferecer água
envenenada para os semelhantes, assim como não inclui o direito de sair por
aí aspergindo coronavírus sobre o rosto de crianças indefesas.
 
No fundo, eles não divisam o sentido da palavra liberdade além da fumaça da
pólvora. Não obstante, são eles que nos governam, arrancando de nós o pouco
que temos de proteção. Que façam isso em nome da liberdade é apenas mais um
capítulo da nossa tragédia imerecida.
 
Segundo esse jeito de pensar – que, melhor dizendo, é um jeito de não
pensar, pois, se pensasse, não teria o jeito hostil que tem –, a liberdade
de um começa onde termina a liberdade do outro, e isso é tudo. Segundo esse
credo (cruz, credo), só é livre quem agride e confronta a liberdade do
outro – e estamos conversados. Nisso consiste o primarismo atroz desse tal
jeito de (não) pensar, segundo o qual o exercício da liberdade é uma guerra
sangrenta de hordas contra hordas.
 
No entanto, se quisermos ter democracia, precisamos pensar além disso, ou
não seremos capazes de compreender que a minha liberdade começa não onde a
liberdade do outro termina, mas justamente onde a liberdade do outro também
começa (salve, Cornelius Castoriadis). Eu só sou livre de verdade, livre
além das minhas estreitezas individualistas, se o outro também for livre, na
mesmíssima medida em que eu só sou saudável se este outro, ao meu lado, ou
aquele outro, distante de mim, forem, eles também, saudáveis. Eu só sou
livre, no fim das contas, se o mundo for livre junto comigo. A mísera
dimensão individualista não dá conta da grandeza da liberdade. Aliás, o
individualismo não dá conta nem mesmo de entender que, contra essa pandemia,
não existe imunização individual; a imunização individual só tem valor
porque realiza a imunização coletiva, que é o único patamar sanitário
realmente seguro.
 
Se quisermos ter democracia, precisamos saber que uma sociedade não é um
rebanho de engorda num pasto aberto à custa de desmatamento. Só sou livre se
me libertar da ignorância. Eu só sou livre se souber que, como autoridade
pública, não tenho o direito de remover uma só peça dos trajes de uma criança.

(de Eugênio Bucci, no Estadão de 1º/07/21)

Sem palavras...  (reprodução da internet).