sexta-feira, 26 de abril de 2024

SAUDADES... (56)

Em data tão redonda, a pergunta surrada: onde você estava quando Ayrton Senna morreu? Faz 30 anos, que loucura! Existia internet? Celular? Não sei. Outra geração? Talvez. Era 1994. Por certo outro milênio. Domingo sim, Domingo não, Ayrton Senna no fogão, aquilo foi uma febre, ou não foi? E o cara tinha um carisma curioso. Pra começar não era afetado, e isso não é pouco! Tipo: outro tricampeão, Piquet, era (e é!) um mala sem alça total! Emerson (bi na F1 e campeão na Indy), como grande piloto tinha o carisma de um biscoito vencido. Já Senna era meio gente como a gente, Senna da Silva, paulistano (da popular ZN), corintiano. Tinha um charme simples, uma voz tímida, pouco do glamuroso circo da F1. Se não tivesse morrido naquela canalha curva Tamburello, seria aos 64 o cara interessante que parecia ser? Quem vai saber? Ah, aquilo doeu. Eu estava em Poços de Caldas naquele feriado de 1º de Maio.  As crianças já brincavam no playground do hotel e eu de pé no quarto, Senna, Senna, Senna, todos atentos olhando pra TV, ah, não perco essa largada, ele precisa se recuperar das derrotas no começo da temporada, a mais aguardada de todas, ele com o carro "de outro planeta", o Willians-Renault FW16, mas o alemão papando tudo...  Foi um fim de semana maldito: na véspera outro piloto morreu nessa pista. E naquela manhã o Senna não estava legal, estava estranho, as imagens mostraram em close, estava reflexivo, estava tenso, estava sei lá o que. E bota maldição na história: teve batida forte na largada, zoando os astros. Na relargada, quando na 7ª volta o carro desgarrou e chapou o muro a 230 por hora, puta pancada!, eu cai sentado na cama, mas como Deus é brasileiro ele vai sair desse carro andando... Deus brasileiro?  Esse mito acabou!

1º de Maio de 1994. Senna, meia hora antes do fim...
(foto: ayrtonsennavive.blogspot.com)


quinta-feira, 18 de abril de 2024

LENDO.ORG (66)

Ora direis, ler clássicos, mas o que é um clássico?  Definição simples: um livro que você sabe que vai reler, e só não o fará se o soberano Tempo impedir. São os seus clássicos.  Mas e os clássicos consagrados? Acho que é meio assim:  pensa um sonho. No sonho um clube com muitas piscinas, de tamanhos diferentes. Só você nesse clube, tem piscinas pequenas e enormes, piscinas rasas e muito profundas. Azuis clarinhas, azuis marinhos. Essas piscinas são as personagens que o autor do sonho, do clássico, criou. E assim você, na leitura, vai à superfície de umas, senta à borda, mexe os pés dentro delas, ou então entra, caminha, nada ou mergulha, em águas ora quentes, ora frias,  pode tirar o traje de banho e mergulhar nu ou nua, você está só, vai experimentando as diversas sensações (emoções), que são oferecidas pelo autor, que pensou cada piscina/ personagem. Você acorda da leitura, ou sai do sonho, e quando volta as piscinas estão todas ali, as mesmas ao seu dispor. Então volta a nadar nas piscinas rasas, ou mergulhar nas profundas, e de repente surgem outras piscinas, novas personagens, profundas ou rasas, e você vai conhecendo, se divertindo, se emocionando, aprendendo, vivendo cada personagem, mergulhando em cada piscina... Um clássico é um clube de piscinas infinitas que você não quer que acabe, só alegrias (às vezes tristezas).  Levei três meses para ler Oliver Twist. No meu momento histórico de trabalho, não poderia ser mais rápido.  No futuro espero voltar a esse clube, para revisitar essas piscinas, que estarão lá, um pouco diferentes, e será uma surpresa perceber que elas mudam, porque isso é um clássico. Espero não ter falado bobagens. 

Oliver Twist: o mundo e o submundo de Londres em 1830


sábado, 30 de março de 2024

LENDO.ORG (65)

Essa livraria, que não é pequena, existe há 55 anos em uma avenida que não é pequena.  Só que eu nunca tinha entrado nela, na livraria.  Na avenida passo sempre, se tornou meu caminho, como um dia foram a ladeira General Carneiro, a rua Santo Antônio, a rua Dr. Zuquim, caminhos para casa em diferentes fases da vida. Faz 10 anos que moro na Vila Mariana, então a Bernardino de Campos, extensão embicada da avenida Paulista, a Bernardino se tornou caminho, então eu passava e dizia:  olha a livraria em que eu nunca entrei, que coisa, como pode, logo eu que amo livrarias! E acabei desafiado outro dia numa conversa, quando um cara me disse que era uma livraria pequena...  Ah, como assim pequena?  Pequena é a Livraria da Tarde, em Pinheiros, que é uma portinha abrindo pra uma riqueza.  Pequena é a Livraria da Vila do Shopping Eldorado (fui outro dia, pequena). A da Bernardino, não!  Verdade que nem lembrava o nome dela, até porque nem bem tem placa, mas a gente vê muito livro lá dentro, pela frente de vidro, quando passa e sabe que ali é uma livraria, porque - lei da vida - quem não sabe não vê nada. E fui. A proprietária estava lá, a Silviane.  Contou que o pai abriu a livraria em 1969. Teve filiais em Guarulhos e outros locais que não lembro, que depois fecharam. Cumprimentei-a pela seção de biografias, excelente.  Nome curioso: Book Stop.  Parada dos livros?  Fiz uma boa compra, meio pra me redimir do abuso de comprar em feiras de desconto (a da UNESP abre dia 3 agora). Mas é isso, quem ama livros compra online, em sebos, em feiras de desconto, em livrarias físicas lindas como essa Book Stop. Dá pra parar de carro na porta, mas eu estava a pé, fui pelo caminho levando a sacola pesada de livros... Vida longa para a Book Stop!

Eis que entrei na Book Stop.


terça-feira, 12 de março de 2024

LANCES URBANOS (93)

Hoje, 5h15, vi o corsinha preto acelerar de uma casa um pouco abaixo e parar no meu prédio.  A moça saiu do banco de trás e colocou o jornal na "roda de pizza" do portão.  Eu acenei pro motorista e ele, sorridente, acenou pra mim.  Será que me reconheceu? O último no prédio a assinar jornal impresso... (não, a moradora do 63 assina no fim de semana). Sempre dou uma boa caixinha de Natal para esse que, 365 dias por ano, traz a informação tão cedo, rua ainda escura. Depois parou na esquina e - casal solidário - cada um foi para um lado da rua entregar um exemplar.  Que jornal digital que nada!  É pura tecnologia o jogo acabar 23h30 (estou dormindo), e já às 5h15 o impresso com o resultado estar aqui na minha porta. Já falei disso, continua me impressionando.  O jornalista (talvez em casa) aguarda o apito final pra clicar enter e o texto subir para as máquinas, rodar, os cadernos serem montados, os jornais ensacados...  Será que é lá mesmo na gráfica que o corsinha se abastece de exemplares?  Quantos corsinhas são necessários pra distribuir em toda cidade?  Quanto ganha o casal que acorda tão cedo?  Será que moram no Limão, perto do jornal? "Vc gosta mais do Estadão do que da Folha?"...  A vida é feita de perguntas ne?

Jornal de hoje, tão quentinho quanto o pãozinho.


sábado, 2 de março de 2024

NÃO É POR AÍ... (97)

Direto ao assunto. Sabem o que tem colocado uma gota de fel, ou de tristeza, na boa vida que levo?  É a possibilidade de, a partir de 2027, ingressarmos aqui num modus operandi como o russo.  Os caras, vencendo em 2026 e voltando, não vão largar o osso nunca mais!  E os oposicionistas, como Navalni, serão presos, mortos e não poderão sequer ter um enterro digno.  Mero pesadelo ou triste realidade?

Na capa do Estadão de 02/03/24


domingo, 18 de fevereiro de 2024

NÃO É POR AÍ... (96)

Já caiu no esquecimento a tenebrosa transação que quase deu certo?  Não deveria. O site do negócio ainda está no ar hoje (aqui), corrida de carros (parece uma disputa de bigas romanas) na pista de atletismo, alcunhada "Estádio Ibirapuera", nos dias 09 e 10 de Março, com vários patrocinadores.  Escandalizou, as mídias "cobriram" (Bandeirantes, CBN, Estadão), só não ouvi ninguém fazer a pergunta de um bilhão de centavos:  como é que conseguiram o apoio do Governo do Estado?  (No site o apoio).  Alguém autorizou tratores entrarem para arrancar o sim decrépito piso da pista de atletismo.  Conheci a pista em 1977, com 14 anos me inscrevi num programa gratuito de treinos (fiz só um mês, fui trabalhar pouco depois).  Coloquei as mãos naquela pista curiosamente emborrachada, modo de dar uma largada, acho que eu correria bem os 800 metros rasos, mas não mudemos de assunto.  A indiferença do poder público com um próprio municipal (qualquer um!) hoje é semelhante à indiferença dos órgãos competentes com as motos cruzando faróis vermelhos em todas as esquinas.  Indiferença completa.  A imprensa é maravilhosa, não fosse ela estaríamos em situação sinistra, mas poderia ser um pouco mais investigativa nesse caso. Mas não, dão oportunidade à secretária estadual de esportes ficar dizendo que o IPHAN isso, o IPHAN aquilo, como se o IPHAN fosse impedir a colocação de um piso decente na pista, e ela voltar ao uso que gerou um Joaquim Cruz, uma Maureen Maggi, medalhistas de ouro olímpico, ou dar o esporte para orientar milhares de jovens.  O IPHAN ia impedir isso?  O IPHAN tem alguma coisa a ver com essa omissão crassa do poder público em fazer as coisas mais simples que tem que fazer?  Tem dó!  (Ah, em matéria do Estadão (aqui), a tal Ultimate Drift "não enxerga motivos para que mais de um esporte possa ser praticado no mesmo local". Piada!  Não praticam sequer atletismo ali!)

Na abertura do site hoje no ar, 18/02/24.



terça-feira, 23 de janeiro de 2024

LANCES URBANOS (92)

Não estarei em Sampa nos 470 anos. Quer dizer, sairei cedinho, estrada para o Sul.  E irei pensando na minha cidade. Tristicidade.  Benedito Lima de Toledo escreveu o clássico São Paulo: Três Cidades em um Século.  Veio o século 21 e com ele a "quarta", diria o arquiteto. É essa cidade que estamos assistindo arrasar quarteirões para instalar prédios parrudos...  Cidade de excessos, ultrapassando limites...  Só um ano dos meus 61 não morei nela. Torci pra Noah nascer no dia 25, deu 24 e melhor assim, cada uma tem seu aniver exclusivo no meu coração.  Uma é filha e a outra é...  Como somos muito onde nascemos e vivemos, São Paulo é sim uma mãe (má mãe?) mamãe pros paulistanos... E estamos maltratando ela, filhos mais que ingratos.  Com os fones de ouvido (sem fios!) atarrachados nos ouvidos (orelhas!), não ouvimos seus gemidos de dor (santa alienação!). Infelizcidade...  Se eu pudesse dar um presente pra ela, seria todas as motos estupidamente barulhentas silenciando num passe de mágica, porque por obra e graça de um gestor público, quando será?  Sim, ok, seria um presente também pra mim, que por ler muito amo silêncio, mas não se vê que a cidade sofre com essas motos zuentas e esses lixos espalhados e esses prédios infinitos e essas pessoas sem teto nas ruas?  Pedi sem esperança o presente mais simples pra ela e pra nós: motos elétricas (que a pizza não pode esperar), silenciosas...  Nos 480 anos talvez?  Nos 490? Nos 500!  Terei 91 anos (chego, é a idade do meu pai hoje). Esperança, dizia dom Paulo Evaristo Arns, não pode faltar jamais. 

470 anos depois, o Pátio, onde tudo começou, está assim. (foto:  Blog Geraldo Nunes/Google)


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

LANCES URBANOS (91)

A Globo me chamou pra falar do trenzinho da Cantareira. Quem recusa o convite de uma vênus platinada e madura?  Eu não, incontinenti fui.  Tem a ver com o aniver da cidade, 470 anos semana que vem.  Bem, a linha tinha três nomes: aquele, o oficial Tramway da Cantareira, e o mais querido de todos, Trem das Onze.  E era esse que interessava o repórter do Antena Paulista.  Não adiantou eu decorar datas:  a linha-tronco para o Tremembé em 1893, o ramal para o Jaçanã em 1910, e tudo virou história em 31 de Maio de 1965.  E pó (pelo menos a estação Jaçanã) em 1966. Ele não perguntou isso.  Fez perguntas amplas, filosóficas, que respondi gostosa mas frustradamente.  Só quando ele perguntou "e aí, existia mesmo o trem das 11 horas?"  Aí orgulhosamente tirei da mochila o Guia Levy 1960, com a grade de horários do trenzinho em todas as estações, nos dois sentidos, tipo linha de trem italiana, a mais pontual do mundo.  Não existiu.  A última composição saía da estação Tamanduateí às 9 da noite, o que, convenhamos, não daria nenhum charme à canção. "Se eu perder esse trem, que sai agora as 9 horas...", podia perder e umas 9h30 partir a pé que chegava, cansado, mas chegava no Jaçanã. Já 11h é outra boemia... E por que Jaçanã?  Isso eu sabia, mas deixei o sobrinho do Adoniran falar. Sérgio Rubinato, 79 anos, um conversador animado, fiquei batendo papo com ele enquanto a equipe filmava dentro do Museu do Jaçanã, e voltava triste: o museu, ao lado de onde ficava a estação, está um bagaço, sofrendo furto atrás de furto...   Sérgio contou que tem coisas do Adoniran espalhadas por vários museus, mas um museu só dele, no Brasil não tem.  Só em Israel (aqui), o filho do Sérgio, sobrinho-neto do compositor, foi na inauguração...  Enfim, por que Jaçanã? Morar, Adoniran só morou na rua Aurora e na Cidade Ademar. Se fosse pela rima com "só amanhã de manhã", poderia ser Butantã ou Sacomã, mas nã.  O Jaçanã ele frequentava. Lá ficava a Cinematográfica Maristela (aqui), onde Adoniran fez ponta e protagonismo em vários filmes.  Mas isso é pouco, é fatual, o que conta é a poesia: só o Jaçanã tinha uma estação de trem pra chamar de sua.    

São sempre 11 horas no relógio do Museu do Jaçanã