segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

LANCES URBANOS (91)

A Globo me chamou pra falar do trenzinho da Cantareira. Quem recusa o convite de uma vênus platinada e madura?  Eu não, incontinenti fui.  Tem a ver com o aniver da cidade, 470 anos semana que vem.  Bem, a linha tinha três nomes: aquele, o oficial Tramway da Cantareira, e o mais querido de todos, Trem das Onze.  E era esse que interessava o repórter do Antena Paulista.  Não adiantou eu decorar datas:  a linha-tronco para o Tremembé em 1893, o ramal para o Jaçanã em 1910, e tudo virou história em 31 de Maio de 1965.  E pó (pelo menos a estação Jaçanã) em 1966. Ele não perguntou isso.  Fez perguntas amplas, filosóficas, que respondi gostosa mas frustradamente.  Só quando ele perguntou "e aí, existia mesmo o trem das 11 horas?"  Aí orgulhosamente tirei da mochila o Guia Levy 1960, com a grade de horários do trenzinho em todas as estações, nos dois sentidos, tipo linha de trem italiana, a mais pontual do mundo.  Não existiu.  A última composição saía da estação Tamanduateí às 9 da noite, o que, convenhamos, não daria nenhum charme à canção. "Se eu perder esse trem, que sai agora as 9 horas...", podia perder e umas 9h30 partir a pé que chegava, cansado, mas chegava no Jaçanã. Já 11h é outra boemia... E por que Jaçanã?  Isso eu sabia, mas deixei o sobrinho do Adoniran falar. Sérgio Rubinato, 79 anos, um conversador animado, fiquei batendo papo com ele enquanto a equipe filmava dentro do Museu do Jaçanã, e voltava triste: o museu, ao lado de onde ficava a estação, está um bagaço, sofrendo furto atrás de furto...   Sérgio contou que tem coisas do Adoniran espalhadas por vários museus, mas um museu só dele, no Brasil não tem.  Só em Israel (aqui), o filho do Sérgio, sobrinho-neto do compositor, foi na inauguração...  Enfim, por que Jaçanã? Morar, Adoniran só morou na rua Aurora e na Cidade Ademar. Se fosse pela rima com "só amanhã de manhã", poderia ser Butantã ou Sacomã, mas nã.  O Jaçanã ele frequentava. Lá ficava a Cinematográfica Maristela (aqui), onde Adoniran fez ponta e protagonismo em vários filmes.  Mas isso é pouco, é fatual, o que conta é a poesia: só o Jaçanã tinha uma estação de trem pra chamar de sua.    

São sempre 11 horas no relógio do Museu do Jaçanã


6 comentários:

  1. Muito bonita sua crônica "jaçãnesca". O Museu do Jaçanã sempre deu encrenca, no passado quem cuidava dele era o sr. Silvio Bittencourt, mas houve um pessoal que tentou transferir o acervo para um outro local e o Silvio não deixou, uma briga danada. Havia também um Museu Adoniran guardado em um cofre do antigo Banco de São Paulo pelo então Secretário de Cultura, Caio Pompeu de Toledo. Transferido para um outro local escafedeu-se ninguém sabe aonde foi parar. A escolha do Eduardo Britto para falar sobre o trem do Adoniran no Antena Paulista da Globo, foi perfeita. Afinal, foi ele que escreveu o livro "Trem, Transway Tremembé", cujo nome foi escolhido após sugestão deste que aqui escreve. Grande abraço e a audiência da Globo no próximo domingo com toda a certeza baterá recordes (sem nenhuma alusão à concorrente). Fui.

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  2. Que legal! Sempre tive essas curiosidades!

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  3. Muitas histórias se perdem pelos furtos. Pessoas levam. Será pra vender ou será por amor à importância da história? No Brasil não há o mesmo amor, valor e respeito que se vê em outros países. Pena, porque nosso país é muito rico em cultura, em história, em arte, em natureza, mas quase tudo se derruba pra mais um shopping, pra mais um arranha-céu.

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  4. Antonio Carlos de Souza16 de janeiro de 2024 às 19:11

    Li e reli, são curiosidades de um passado que passou. Isso é cultura pura, infelizmente vivemos o Brasil da anti cultura onde os ídolos são estes venerados e cultuados pela própria globo. Tivesse hoje Adoniram vivo, com certeza estaria na sarjeta e com certeza, não por opção. Veneram-se artistas incapazes de saber cantar o Hino Nacional.

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  5. Delicioso texto e necessário em uma cidade que não se importa com sua memória e com a teia de relações e afetos que vai se formando entre as pessoas e as localidades ao longo do tempo. Aqui quase tudo se apaga e vínculos essenciais se perdem.

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  6. É sempre gratificante aprender mais sobre a história e cultura do nosso país. Parabéns Eduardo Britto pelo seu conhecimento e por valorizar a nossa história.

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