segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

LANCES URBANOS (105)

Sei quase tudo da vida do meu barbeiro. Não que seja um barbeiro de anos, longe disso. Faz uns 6 meses... Ou seja, 6 cortes. 5 talvez, que não sou (já disse) tão Caxias ou cabeludo... É que a vida do seu Dito me comove! Como eu queria ir à sua casa, em São Bernardo do Campo, pra conhecer sua mulher... Pra ver a cara dela, porque não vou pedir pra ver uma foto... Quem sabe um dia a foto dele com ela, mais plausível de pedir, lá pelo 30º corte... É que ela, há mais de 40 anos, passa o dia em casa, esperando por ele...  Tipo música do Chico, a dona Sônia Maria está lá nesse agora em que escrevo, e ele aqui na Vila Mariana, solitário no seu modesto salão... O vejo quase todo dia que passo de carro. Uma vez quase bati ao procurá-lo ao passar, cadê o seu Dito? Foi tomar sorvete na esquina, o tranquilão? (Nem parece tranquilão). Ah, já me disse que ela, dona Sônia, vai no supermercado, na casa de uma amiga, quando não resisti perguntar (nem lembro como) o que ela faz o dia todo...  Eu precisava ver essa Amélia (não hoje, mas lá aos 40, quando ela já esperava)...  Ela que paga todas as contas "pelo celular", me disse hoje, estou vindo de lá pensando nos dois... Uma vez contou que a conheceu numa firma em que trabalhavam, na rua Augusta, “no meio de um monte de gavião", disse. Aí ele chegou (faz 45 anos!), a tirou do perigo e levou pra São Bernardo... Não! Ela é que o levou pra perto da família. Ele, curioso, era do Sumarezinho... Conheço o bairro, quase fiz ele me dizer o nome da rua. Se perguntasse ele não estranharia, pessoa muito simples (não boba, cuidado!), eu é que teria uma incômoda sensação de invasão (perguntar é uma arte!).  Já sei que tem dois filhos... E sei que não tem nem terá netos, porque os filhos têm mais de 40 e só uma nora é mais nova, 33, mas ele não acredita, "ela só gosta de barzinho"...  Do Sumarezinho não sei, mas a rua de São Bernardo sei qual é. Por dedução descobri, olhando o guia...  Sei o ônibus que ele pega no Jabaquara, baldeia em Diadema, desce na avenida Caminho do Mar, mas em geral está de carro... O casal bem poderia ser personagem de um romance do Marcos Rey (mas aí a dona Sônia teria que aprontar à tarde...) Ou de um filme do Babenco (filme forte, não combina). Ou peça do Guarnieri (tudo a ver, um drama social no ABC...)  Gianfrancesco Guarnieri... Um nome assim já nasce com sorte na vida! Eles não usam black-tie é o melhor filme brasileiro que vi. Pixote também é fantástico. Mas o Guarnieri era aqui da Vila...

Cena do filme  Eles não usam black-tie (1981)
foto: aterraeredonda.com.br (Googleimages)


20 comentários:

  1. Quebre o silêncio e faça pergunntas ao seu Dito. Ele vai até gostar, basta saber perguntar. Agildo Ribeiro dizia que perguntar não ofende desde que se faça com classe. Como você mesmo disse, "perguntar é uma arte"!

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    1. O que eu já fiz de pergunta pra ele! Mas antes do Natal faço mais algumas. Com jeitinho, claro rsrs. Valeu Geraldo!

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  2. Britto, o fato da dona Sônia Maria ficar em casa, não a torna necessariamente uma “Amelia”, assim como ela aprendeu a pagar as contas pelo celular, pode ser que ela faça cursos on line, que ela seja vaidosa e que passeie bastante enquanto o marido trabalha.

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    1. Verdade! Estou com a cabeça do Mário Lago lá nos anos 40, my God! Bom, era bom dar uma chegada lá em São Bernardo pra ver quem está certo rsrs. Obrigado Ana Maria!

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  3. "A Bela da tarde", may be.
    Melhor deixar quieto. Vai quê...

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    1. Ah, não vou lá não... Melhor ficar na imaginação ne Flora? Obrigado!!

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  4. Eles não usa Black Tie. Ainda que não fosse da Vila seria de fato uma obra-prima

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    1. Oi Sérgio! O nome completo do Guarnieri impressiona: Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi De Guarnieri. Nasceu em Milão, mas com 2 anos estava no Brasil. Peguei-o em novelas, sempre fazendo um tipo meio consciente e raivoso, como no filme que gostamos... Curiosamente, seu último papel de destaque foi em Mundo da Lua, em que era um avô conciente... e mais doce rsrs. Valeu!

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  5. Sei não, poderá rolar um ciúmes.

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  6. Concordo com melhor filme brasileiro… Sempre uma delícia ler seus textos…

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    1. Para quem fez PUC nos anos 80, como nós, foi um filme mesmo muito emocionante! A temática da luta sindical nos tocava forte. Valeu Maria Luísa!

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  7. Sabia que salão de beleza, mulheres, era local de troca de informações familiares.... mas, vejo que barbearia tb é..... pode perguntar..... amplie as conversas.....vai gostar...e, Dona Sônia deve ser uma senhora atualizada......

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    1. Daqui a pouco vai uma comitiva até SBC pra conhecer dona Sônia... Não tenho culpa! rsrs. Obrigado Áurea!

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  8. Felipe Duarte de Paula4 de dezembro de 2025 às 15:54

    Delícia de crônica, Britto! Já falei, mas não custa repetir: quando você vai reunir esses textos em livro? Quando decidir publicar, quero ir ao lançamento. Abraços!

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    1. Puxa, que incentivo! Fui ver: essa é a 938ª postagem no blog. Escolher, digamos, 100... Que trabalheira! rsrs. Obrigaduuuu Felipe, pela visita sempre, pelas palavras...

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  9. pois é ontem
    fui ao salão e a Cátia que já faz meu cabelo tem uns 5 anos deu de contar toda a história do casamento atual dela nos mínimos detalhes incluindo até as ex do marido… saí de lá pensando o pq de todo aquele monólogo … rsss.. assim mesmo… lugar de trocas de confidências… lendo aqui a sua crônica!!! abs Fran

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    1. Sabemos que esses espaços podem até funcionar como uma gostosa terapia, ne prezada anônima? Obrigado!

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  10. Francisco, mais um texto muito bom de ler!
    Tantas referências que pululam nossa memória: Mario Lago e Amélia, Gianfrancesco Guarnieri, e um casal (Dito e Sônia) atravessando décadas de significativas transformações sociais, culturais e de espaço físico da cidade, continuando junto, talvez unido por aquilo que atravessa o tempo e permanece.

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    1. Verdade! Juntos no tempo amplo, separados no tempo picado... Mais ou menos isso ne?... rsrs. Obrigado Rosalia!

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